ESPIRITUALIDADE E AS FALÁCIAS NOCIVAS EM TORNO DA SUBJETIVIDADE.

Em tempos como esses que estamos vivendo, onde o planeta está no meio de um colapso social, político, econômico e ambiental – em grande parte por causa do que nós humanos fizemos e ainda estamos fazendo à Terra – se agarrar com todas as forças a algo que vem com as premissas maiores de alimentar as chamas da esperança e trazer respostas para o que ainda não existe explicação científica, é um potencial recurso de auto preservação físico e mental.

Não só pela internet da vida, mas também no seu dia a dia fora desse mundo virtual, você vai acabar encontrando pessoas ou vivenciando situações que te levem a essa esperança espiritualista. Pode ser por meio de uma mensagem, um conhecimento, um ensinamento, uma palavra, enfim, algo que vá te acalentar e trazer esse brilho que pode ou não incitar uma vontade internalizada de procurar mais sobre o mundo espiritual e as vertentes que existem nesse universo místico. 

Entenda que isso não é uma fraqueza e que, respeitando o direito de todos de divergir de ideias e de não seguir o que você carrega como verdade, é uma busca completamente válida. 

Principalmente porque o ano de 2020 é o ano do expurgo e tem muita coisa saindo de todos os lugares a todo o momento, como que pra nos obrigar a abrirmos nossos olhos e tomarmos uma atitude mesmo que tardia em nome dessa esperança de dias melhores que todos queremos e precisamos ter. 

Essa busca, por mais válida e importante que seja, também não pode ser apenas um refúgio pra que não nos sintamos pressionados a lidar com o que é de nossa responsabilidade como indivíduos e como sociedade. Não adianta culpar um Deus todo poderoso pela fome e doenças ainda sem cura que assolam o planeta se apoiamos um sistema sócio-econômico que permite que apenas uma pessoa ganhe US$13bilhões em um dia. Não adianta culpar demônios pelas angústias do dia a dia, nem achar que tudo está dando errado porque Mercúrio estava retrógrado.

art por @sweetdisguise via instagram

A espiritualidade não deveria ser utilizada como um método de escape de responsabilidades que só cabem a nós mesmos. Ela existe, como disse lá em cima, para fortalecer a esperança de que as coisas ainda podem melhorar, e é aqui que a gente entra no charlatanismo desse meio tão potente, mas tão fácil de se tornar uma arma manipulatória e tóxica nas mãos erradas. 

Nesse universo complexo das subjetividades espirituais, existirão pessoas que realmente utilizarão seus conhecimentos para ajudar a desenvolver em você e em quem se sentir interessado pelo assunto, um mecanismo poderoso de auto conhecimento e conexão com a intuição, além do desenvolvimento espiritual por si só. 

Tem muito estudo, leitura, trocas e experiências envolvidos nesse processo que existe entre aprender a espiritualidade, se tornar alguém que está apto a ajudar o próximo e realmente ter o discernimento para passar as mensagens sem manipular ou abusar da fé de ninguém e sem ignorar as questões sociais, culturais, políticas e econômicas da sociedade em que se está inserido.

Mas assim como em tudo o que humanos se propõem a fazer, vão existir aqueles que vão ler e estudar muito pra construir uma base de aliados fáceis de manipular por acreditarem no poder que essa pessoa tem nas mãos. 

Não precisa ir muito longe para reconhecer esse tipo de atitude criminosa e que traz muitas consequências negativas pra vida das vítimas que acreditaram e seguiram esses líderes. João de Deus e Sri Pren Baba são apenas dois exemplos maiores de líderes – homens, brancos, cis – que usurparam, abusaram, corromperam, deturparam, roubaram e em alguns casos, até estupraram em nome de uma fé no poder que eles alegavam ter. 

Ao fim desse texto vou deixar uns links de matérias para facilitar na busca por informações acerca desses casos em específico, mas os dois tratam, de uma forma geral, do abuso de poder, da violência e dos crimes de líderes espirituais sem o mínimo senso de responsabilidade com a vida do próximo e com a vontade exclusiva de se beneficiar de todos os jeitos possíveis. Isso é assédio espiritual, pois usa de ferramentas e conhecimentos abstratos, para manipular, extorquir e violentar os outros para obter seus recursos.

Isso também vale para aqueles casos de pessoas com graves distúrbios psiquiátricos sendo tratadas com sessões de exorcismos, gerando traumas emocionais e psíquicos severos que, sem o amparo necessário, caem no campo holístico e acham que encontraram as soluções para questões que precisam de um outro tipo de amparo.

art por @sweetdisguise via instagram

É necessário entender e se questionar quem são as pessoas que estão nos influenciando, o que são essas pessoas, onde elas se encaixam na sociedade, o que falam acerca da espiritualidade e o que fazem com o que pregam. Para vivenciar uma espiritualidade que não seja tóxica, abusiva e excludente, é necessário sempre se questionar e questionar os que estão no “topo” como influenciadores. 

Infelizmente acredito que nunca estaremos livres do mal caratismos de certas pessoas, mas é possível sim se blindar para não ficar a mercê das consequências severas da ingenuidade. Por isso se pergunte se dentro da sua lista de pessoas espiritualizadas que te influenciam de certa forma existem discursos e vivências de diferentes recortes sociais, raciais e de gênero. Questione a si mesmo e passe esse tipo de questionamento para frente.

Deixo aqui claro que não quero de forma alguma desvalidar a crença/religião e as formas de atuação em torno do nicho da espiritualidade, mas depois dos últimos acontecimentos, depois de ter que lidar diretamente com atitudes irresponsáveis e abusivas, consigo formatar esse papo complexo e repassar ele sem medo. 

Aqueles que agem de maneira ardilosa para conseguir poder e dinheiro a todo custo, mesmo que às custas da fragilidade das pessoas, essas pessoas sim precisam ser expostas, mesmo que numa tentativa de anunciar o quão perigoso essa vida pode ser.

Eu não tenho o poder de escolher nada por vocês. Eu nem quero e nem vou ser responsável pelas escolhas que são pessoais&intransferíveis. Só que é necessário encarar a realidade dos fatos. Esse delírio em torno da egotrip e do mau-caratismo, preconceito, racismo disfarçado de “influências espirituais” é perigoso demais pra se deixar passar. 

Lembrem-se que não existe um meio fácil e rápido de acabar com as dores, medos, inseguranças e muito menos com as próprias sombras. Essa é uma luta diária que começa primeiro com uma auto análise minuciosa que deve contar com mais do que só a espiritualidade para embasar, para depois partir para o mundo externo e realmente iniciar uma jornada em busca do desenvolvimento social positivo. 

Quanto a esse papo de luz x sombra é completo mas pode ter um resumo simples: Não é sobre o bem x mal, não é sobre o certo x errado, tudo é muito relativo e não serei euzinha aqui, a pessoa que vai te entregar respostas prontas e fáceis, até porque, mais uma vez, elas não existem.

Por fim, reforço o alerta. É necessário muito discernimento, questionamento e atenção para não se tornar uma vítima desses assediadores espirituais que banalizam em troca de status. Espiritualidade é lembrar que não somos um corpo que tem um espírito, uma alma. Somos uma alma, uma consciência que tem um corpo. E tomar consciência dessas partes, é que transmuta, é o que transforma. 

 

LINKS

Caso Ikky – 2020

Caso João de Deus

Caso Sri Prem Baba

Podcast da Les Amplix sobre o tema – Nem tanto esotérico assim

Texto da Les Amplix sobre o tema: Parte 1

Texto da Les Amplix sobre o tema: Parte 2